Possível retorno do Orkut traz nostalgia e especulações sobre novo formato da rede
Especialista analisa possibilidades para o Orkut se estabelecer em uma era de monetização das redes e de ascensão de influenciadores
O possível retorno do Orkut foi um dos assuntos mais comentados da internet nos últimos dias, depois que o site oficial foi reativado, em 27 de abril, e seu criador, Orkut Büyükkökten, compartilhou uma mensagem um tanto enigmática.
Quem pensou que a rede social havia desaparecido para sempre reagiu com surpresa à promessa de que algo novo está por vir. Se o Orkut vai mesmo voltar, ainda não se sabe, mas a mensagem despertou nostalgia e provocou diversas especulações de como a plataforma poderia se estabelecer no contexto atual.
Criado em 2004, o Orkut foi a primeira rede social a se popularizar no Brasil. Mesmo com o acesso à internet restrito, foram registrados mais de 30 milhões de brasileiros ativos. Contudo, ao longo dos anos, foi perdendo espaço para o Facebook e outros sites, até que foi desativado em setembro de 2014, deixando seu legado no mundo virtual.
Adriana Amaral, doutora em Comunicação com experiência em Cultura Digital, explica que a plataforma teve um papel significativo por promover a socialização na internet, trazendo uma interface amigável. “Foi a primeira rede social que interligou as pessoas. Para muitas, foi uma forma de alfabetização digital”, destaca.
Quem viveu aquela época lembra que o acesso à internet era somente através do computador e que existia um momento determinado para estar conectado — muito diferente do cenário atual. Mesmo assim, o Orkut se tornou o site favorito de milhares de pessoas, principalmente pelas famosas comunidades — recurso lembrado até hoje com carinho pelos antigos usuários.
As comunidades reuniam pessoas com gostos em comum pelos mais variados temas, desde música até jogos. Uma das mais conhecidas, a “Odeio Acordar Cedo”, trazia a foto do Garfield e teve mais de 6 milhões de membros.
Amaral, que também é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, lembra que o Orkut fez um tipo de adaptação dos antigos fóruns da internet e que a interface era muito acessível, o que contribuiu para o sucesso das comunidades.
“Era muito organizada. Tinha o tópico específico e tu conseguia achar a informação de uma forma muito mais facilitada”, detalha. Segundo ela, isso também facilitava as relações e o encontro de afinidades.
Uma carreira artística que iniciou em uma comunidade do Orkut
O Orkut está marcado na memória de muitos que criaram uma conta de forma despretensiosa e lá construíram relações fortes, outras até encontraram até seu caminho profissional através da rede. Esse é o caso de Igor Rodrigues, morador de Feira de Santana, na Bahia. Em 2008, quando jogava The Sims, ele decidiu entrar no Orkut para compartilhar com uma amiga as imagens de sua personagem no jogo.
Lá, começou a fazer parte do chamado “Simkut”, um universo dentro do site que reunia comunidades e perfis relacionados ao jogo. Quando criou Kyara Bergamini, uma personagem negra, ele começou a ter contato com o universo artístico. “Esse contato que tive com a arte dentro do Orkut fez com que eu tivesse muito interesse em seguir essa carreira”, explica.
Ainda no jogo, Igor foi chamado para trabalhar em uma revista de moda dentro do Orkut, interpretando Kyara. Isso fez com que ele se interessasse ainda mais pela arte. “O Simkut me fez amadurecer muito como pessoa, me fez descobrir que eu realmente queria ser artista e me ajudou a me entender enquanto homem negro”, explica.
Hoje, o artista visual, de 26 anos, trabalha com pintura figurativa. “Retrato somente pessoas negras e todo o meu trabalho gira em torno da negritude e de pensar os corpos e as subjetividades negras na contemporaneidade”, conta. Para ele, o site proporcionou um caminho na vida. “Foi uma fase de descoberta. A gente fugia da realidade naquele espaço de acolhimento, de expressão e de liberdade”, lembra.
“Draco Malfoy” e “Hannah Abbott”: uma amizade que nasce nos perfis fakes
Outra marca deixada pelo Orkut são as amizades virtuais. Muitas pessoas que se conheceram na rede mantém contato até hoje, como é o caso de José Antônio de Souza e Paula Freitas. Tudo começou em 2010, quando Antônio decidiu criar um perfil falso de um personagem de Harry Potter, o Draco Malfoy, e começou a adicionar perfis semelhantes.
“Sempre fui muito tímido na escola para fazer amizades, então queria achar uma nova forma de contato”, conta. Um dos perfis que ele adicionou foi Hannah Abbott, personagem secundária de Harry Potter. Por trás, estava Paula Freitas.
Os dois fãs de HP começaram a conversar e formaram uma relação de amizade muito forte. “Decidimos virar ‘irmãos’ no fake e até hoje temos essa relação de amizade e irmandade virtual. Pouco tempo depois, já trocamos fotos dos nossos ‘offs’”, lembra.
Antônio morava no interior do RS, enquanto Paula vivia no Rio de Janeiro. Por isso, o encontro fora das telas aconteceu só em julho de 2014, em Porto Alegre. “A gente fala sobre tudo. A Paula é realmente um Porto Seguro, sinto que nossa troca é muito rica, apoiamos muito um ao outro”, destaca.
Orkut pode ser um oásis ante viralização existente em outras redes, aponta especialista
A possibilidade de retorno trouxe à tona lembranças desses e outros milhares de antigos usuários, além de especulações sobre como seria o Orkut hoje. A professora Adriana Amaral lembra que a plataforma antecedeu a era de monetização das redes e do surgimento de criadores de conteúdo e avalia que manter esse formato pode ser positivo.
“Muitas pessoas estão cansadas de produção de conteúdo o tempo inteiro, de buscar engajamento. Nem todo mundo quer ser influenciador. Há uma certa ressaca em torno desse modelo que se consolidou nos últimos anos”, diz.
Para um determinado grupo que quer ficar longe da publicidade, essa poderia ser uma boa aposta para a volta da rede. Entretanto, a professora lembra que é preciso analisar qual público será o alvo, já que para os mais novos esse modelo poderia não funcionar.
Em uma era de TikTok e de reels no Instagram, é difícil imaginar uma rede social sem vídeos. Mas esse também pode ser um caminho, dependendo de quem Orkut Büyükkökten quer atingir. “Também vejo muitas críticas de pessoas que não querem só assistir vídeos. Então, isso vai depender de qual público-alvo ele quer”, analisa.
Há quem acredite que o Orkut pode voltar com alguma conexão com o metaverso, um tipo de mundo virtual que imita a realidade por meio de dispositivos digitais. Antigos usuários do site tiveram o Buddy Poke, um aplicativo que possibilitava a criação de avatar de si mesmo em 3D.
A professora diz que o Orkut pode utilizar esse aplicativo e reeditar isso no metaverso de uma forma mais atualizada, mas que somente isso não seria funcional. “Nem todo mundo tem acesso ou uma conexão boa. Nem todo mundo tem um aparelho que vá funcionar”, explica.
Para ela, a nostalgia é um elemento forte que deve ser utilizado, mas também precisa trazer alguma coisa nova. Quais serão as novidades, ainda não se sabe. Não há nem mesmo a certeza de que a rede vai voltar. Mas Orkut Büyükkökten finalizou seu comunicado criticando a venda de dados na internet e enfatizando que quer ajudar as pessoas a construir conexões duradouras. Se a novidade estiver baseada nisso, tudo indica que ela pode causar impacto e quebrar padrões atuais do universo digital.
Publicado no jornal Correio do Povo