“O jornalismo político tem a função de nos fortalecer como população e como democracia”, diz Raphaela Suzin

Camila Souza
7 min readOct 12, 2019

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Camila Souza

A jornalista Raphaela Suzin, formada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), já passou pelo Jornal NH, onde trabalhou como editora digital, pelo Correio do Povo, como repórter digital e atualmente é editora digital de Política, Economia e Geral na GaúchaZH. Raphaela fala sobre os desafios do exercício profissional em um cenário político repleto de desinformação.

Quais são os maiores desafios que um jornalista enfrenta na área política?

Raphaela Suzin: A gente tá vivendo uma época de muito “jornalismo declaratório”. Por exemplo, quando alguém faz uma declaração, nosso hábito é colocar a fala da pessoa entre aspas e fechar com “disse fulano”. Eu acho que isso na política está cada vez mais complicado porque, às vezes, a gente acaba passando uma informação sem dar o contexto pro leitor, sendo que o nosso público, no geral, é um leitor de manchete. Um exemplo disso é a vez que o Bolsonaro falou que o pai do presidente da OAB não foi morto pela ditadura, isso foi manchete em vários sites. Qual o problema? Que muita gente não sabe o que tem por trás, que existe uma comissão da verdade que pesquisou isso. Quem olha de fora e só lê essa manchete vai achar que, se o presidente está falando, então é verdade. Acho que a gente tem muito o que avançar nessa questão e tentar ver uma forma diferente de dar a notícia, contextualizando mais o assunto.

O fenômeno “fake news” também pode ser encarado como um desafio nesse cenário?

Raphaela Suzin: A questão das fake news também é algo muito presente, principalmente nas redes sociais, onde as coisas se disseminam de uma forma que perdemos o controle. Por causa das eleições, se disseminaram muito as agências de fact-checking. Isso porque hoje, no jornalismo político, existe um trabalho de checagem quase que todo o tempo. Porque antes era comentado algo que certo candidato falou, com pouca frequência. Só que agora não é mais assim. Não podemos escrever em uma manchete algo que um candidato disse sendo que aquilo não é verdade ou é duvidoso. Então, eu acho que deve ter esse trabalho de checar muito todas as informações antes de publicar, principalmente, declarações de pessoas que são importantes, que tem relevância para nosso país e para a politica.

E no jornalismo econômico, qual é o maior desafio?

Raphaela Suzin: Eu acho que é deixar as coisas mais palpáveis para o público. Quem é da área de economia vai ler e entender as siglas e termos, mas e o público no geral? Para quem não entende o assunto, parece outra língua. Acho que o principal desafio do jornalismo econômico é trazer isso para a realidade das pessoas e mostrar como impacta a vida delas. Sempre deve ter a pergunta: como isso vai impactar no dia a dia? Sem isso, nossas notícias serão apenas um monte de números. Jornalismo econômico é uma dificuldade todo dia, toda matéria que editamos temos que pensar “o que isso representa pra nós?” Porque o jornalismo é isso. Tem que ser coisas que impactam a vida das pessoas e a gente tem que ajudar dessa forma. Por exemplo, quando dizemos “cortou a Selic”. O público sabe o que é Selic? De que forma esse corte vai impactar no nosso dia a dia? Vai reduzir preços? Vai aumentar? Acho que o jornalismo econômico deve se preocupar em trazer as pautas econômicas para coisas do dia a dia.

Como você analisa a parcialidade de muitos jornalistas no cenário político?

Raphaela Suzin: A gente tem a ideia de uma imprensa que é isenta. Mas, hoje em dia as pessoas já conseguem ver que os jornais se posicionam um pouco mais editorialmente, e isso por causa do momento político que a gente vive. Até então, não víamos diferença nos tons das falas dos jornais, porque o momento era de uma política mais estável. Mas agora, quando lemos, percebemos um posicionamento. E eu acho que tem que ter. Não sei até que ponto nosso público está preparado pra isso. Os jornais mostram os dois lados sempre. Mas eu acho que a sociedade exige que a imprensa seja mais posicionada porque eles acreditam no que recebem no WhatsApp. Eu acho que, ainda é cedo pra dizer, mas talvez a gente esteja caminhando pra um futuro, daqui alguns anos, em que a imprensa seja mais posicionada, como é nos Estados Unidos, por exemplo. Mas, hoje, a nossa imprensa é imparcial e vai seguir assim por algum tempo.

Você acredita que se manter neutro nas posições políticas é um desafio na hora de escrever?

Raphaela Suzin: A gente sempre fez isso. O jornalismo sempre foi de ouvir os dois lados e de mostrar as diversas versões sobre uma mesma história, sobre um mesmo acontecimento, então, eu acho que é uma coisa natural nossa. É normal vermos a notícia assim. Claro que, olhando o lado pessoal, todos têm seus desafios, mas, como profissional, eu acho que isso é algo muito natural.

Na sua opinião, qual é a função do jornalismo político? Qual é a importância dele para a sociedade?

Raphaela Suzin: Eu acho que o jornalismo, como um todo, tem uma função muito forte na nossa democracia. É uma forma onde as pessoas vão conhecer coisas que estão acontecendo. Eu acho que, se a gente não tem jornalismo, não tem uma sociedade democrática e o jornalismo político trabalha muito por isso. Porque hoje a gente tem uma política a nível federal que é muito concentrada em Brasília. Então, se não existissem os jornais para disseminar o que está acontecendo naqueles bastidores, o que eles estão decidindo, não saberíamos nada. A gente está no Sul do Brasil, é algo muito distante. Eu acho que se não tivesse jornalismo político para mostrar isso, talvez estivéssemos perdidos em relação ao que está acontecendo de políticas públicas, de Reforma da Previdência, de Reforma Tributária. Eu acho que o jornalismo político tem a função de nos fortalecer como população e como democracia também.

Como as fake news podem influenciar ou prejudicar o trabalho do jornalista?

Raphaela Suzin: Eu acho que na nossa rotina não influencia, porque temos o hábito da checagem. Mas influencia muito a visão do público perante o jornalismo. Eu acho que a gente vive um momento em que a sociedade está um pouco descrente da imprensa e as fake news vêm pra incentivar isso. A forma de combater é com o jornalismo sério mesmo. A ideia de fake news hoje se deturpou um pouco. Por exemplo, quando tem um erro de apuração jornalística, erro que a fonte passou, o que é natural acontecer, transformam isso como fake news, mas não. Fake news é uma notícia falsa que foi criada com um objetivo de prejudicar alguém. Hoje misturou muito o que é um erro jornalístico com a questão da fake news. Acho que perante o público virou tudo a mesma coisa e a gente tem que ir atrás pra reconquistar a confiança da sociedade, porque é imprescindível. A gente precisa deles e eles precisam de nós. Não podemos ter uma população que acredita em coisas que lê no WhatsApp. Nós, agora falando como público e não como jornalista, estamos em uma fase em que queremos ver aquilo que gostamos, que nos atrai. Não queremos ser contrariados, sair da zona de conforto e duvidar de algo que recebemos.

Como podemos usar a tecnologia e mídias digitais ao nosso favor?

Raphaela Suzin: Hoje o jornalismo é digital. Ele tem que estar no celular, na palma da mão das pessoas, porque é assim que a gente se comunica. Se não usarmos essa tecnologia, vamos nos afastar ainda mais do público que estamos tentando nos aproximar. Agora temos a possibilidade de criar mais formas de entregar um produto. Hoje podemos entregar uma notícia em gráfico, em texto, no papel, no digital, em vídeo, em galeria de fotos. Temos formas diferentes de chegar ao público e isso é um desafio. É entender uma notícia com seus desdobramentos, não só de conteúdo, mas também de plataforma. Hoje podemos entregar uma notícia com um foco no papel, mudar e reformular em forma de conteúdo para estar no aplicativo, no desktop, que também são formas diferentes de leitura. No celular, o público lê de uma forma, não quer coisas muito densas porque não tem tempo. Já o leitor que usa o desktop é um tipo diferente. O uso de infográficos, por exemplo, é uma forma de trazer uma informação muito mais palpável do que colocar um monte de número em um texto de pauta econômica. Antes, o desafio era muito mais escrever a noticia. Agora é escrever a notícia e pensar em como nós vamos entregar. Temos que entender como vamos vender o produto pro papel, pro digital e pensar em coisas diferentes.

Na sua opinião, o que diferencia o profissional jornalista nesse cenário em que todo mundo produz conteúdo e emite opinião?

Raphaela Suzin: O que diferencia o jornalismo vai ser sempre a apuração. Sempre ir atrás, checar a informação e checar todos os lados. Aquele que apenas dá a opinião, opina com base no que ele acredita, no que ele sente no momento. O jornalismo não, ele vai atrás do que ta acontecendo de fato, não é só uma percepção ou um sentimento. São os fatos que estão acontecendo e os olhares para todas as esferas de algum problema.

Qual é a dica que você deixa para os estudantes que querem atuar na área de jornalismo político ou econômico?

Raphaela Suzin: Se dediquem a entender a área. Porque não é só jornalismo que a gente tem que saber fazer, isso a gente já sabe. Mas entender as peculiaridades de cada área. Então, se a pessoa gosta de uma área, começa desde agora a focar nisso, procurar cursos de especialização. É um diferencial ter uma especialidade. Além disso, pensar sempre no digital e em diversas formas de entregar a notícia ao público.

Produzida na disciplina de Jornalismo Político e Econômico (2019/2) do Curso de Jornalismo (Campus Fapa) do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte

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Jornalista formada pela UniRitter | Redatora no Correio do Povo

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