Mina Guaíba: os dois lados da moeda

Projeto de instalação da maior mina de carvão do Brasil divide opiniões: de um lado, esperança de desenvolvimento; de outro, medo de um futuro incerto

Camila Souza
7 min readNov 30, 2019

Por Camila Souza, Jessica Polchowicz e Maria Eduarda Assis

Suelen Orestes e o filho, Anthony Orestes, residem na região onde se prevê a construção da mina | Foto: Camila Souza

U m empreendimento que pretende instalar entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil. Esse é o Projeto Mina Guaíba, desenvolvido pela empresa Copelmi, que divide opiniões entre empresários e moradores da região. Durante o ano de 2019 aconteceram audiências públicas e diversos debates sobre o empreendimento. Apesar de a empresa garantir viabilidade ambiental e prometer desenvolvimento para a região, há o questionamento de ambientalistas sobre os possíveis impactos ambientais, além de outras questões a serem debatidas, como a situação das famílias diretamente atingidas pela instalação da mina.

Mapa de localização do projeto | Imagem: Copelmi Mineração

A Copelmi apresenta no seu Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) os estudos realizados até o momento, relatando a viabilidade ambiental do projeto, que pretende minerar uma área de 4,37 mil hectares a a menos de 2 km do Rio Jacuí. Nessa região residem as famílias do Assentamento Apolônio de Carvalho e Guaíba City, que têm sua renda, em maior parte, advinda da agricultura familiar. São conhecidos devido ao cultivo de arroz orgânico e outros alimentos vendidos em feiras de pequenos agricultores na região metropolitana de Porto Alegre. Se prevê a realocação de aproximadamente 170 famílias caso o projeto seja efetivado. A Copelmi se responsabilizou quanto à indenização para essas famílias, mas o novo local de moradia e as condições ainda não estão definidos.

Planejamento dos processos

Conforme consta nos Estudos de Impactos Ambientais (EIA), a Mina Guaíba prevê a extração de uma reserva estimada em 166 milhões de toneladas de carvão bruto ao longo de 23 anos de operação. Para a execução será necessária a implantação de um dique e um canal de irrigação que atenderá a demanda hídrica da área da mina. O empreendimento está previsto para ocorrer em três etapas, sendo a implantação a primeira delas. Nessa fase será executado um sistema de rebaixamento e recarga do nível de água, construção do dique de contenção, terraplanagem do terreno da área industrial, desvio do arroio Jacaré e do canal de irrigação, estrutura civis da área industrial, além estação de tratamento de efluentes e plantas de beneficiamento.

Na operação, segunda etapa, o processo inicia pela lavra de carvão, cascalho e areia, direcionamento dos efluentes da lavra para Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e lançamento final no Rio Jacuí. Continua com o preenchimento dos cortes com material estéril, apoio à operação e manutenção de equipamentos de lavra. Na última fase ocorrerá a execução do plano de descomissionamento, desativação do dique e desligamento do sistema de rebaixamento, formação do lago, desmobilização de equipamentos e estrutura.

O local onde será instalada a mina de carvão fica a 16 km de Porto Alegre l Foto: Camila Souza

Promessas de desenvolvimento

O projeto promete desenvolvimento e geração de empregos para os municípios que receberão a Mina Guaíba. Conforme informações divulgadas pela Copelmi, somente durante a implantação do empreendimento, com durabilidade prevista para três anos, serão oferecidas 414 vagas de emprego, sendo 331 diretas e 83 indiretas. Na fase de operação, os empregos gerados serão permanentes, quando a mina irá funcionar por, no mínimo, 23 anos, gerando 1.154 vagas diretas e 3.361 indiretas.

Para o prefeito de Eldorado do Sul, Ernani Gonçalves, esse progresso só será bem-vindo caso aconteça de forma sustentável. “Sou a favor do desenvolvimento, mas também defendo a parte ambiental. Eldorado do Sul está vivendo de forma equilibrada, não adianta criar um problema para as gerações futuras por ganância. Mas, se não gerar problemas ambientais no futuro, não vejo razão para não sair esse empreendimento”, afirmou. Caso o projeto não seja aprovado, o gestor municipal explica que é possível que a cidade avance de forma sustentável, trazendo empresas de outros segmentos.

O gerente de Sustentabilidade da Copelmi, Cristiano Weber, defende em audiências públicas que a empresa tem condições suficientes para fazer a exploração de carvão a céu aberto de modo sustentável e classifica como “fake news” algumas informações que circulam sobre o projeto. Em defesa do empreendimento, Weber diz que o carvão continuará sendo uma importante fonte de energia nas próximas décadas.

Futuro incerto

Enquanto acontecem audiências públicas e o Ministério Público, junto com o Governo do Estado, analisa a proposta do empreendimento, os moradores que serão diretamente atingidos pela Mina Guaíba vivem seus dias angustiados, sem saber o que está por vir. Eles têm o sonho de investir em suas moradias e plantações, mas a qualquer momento podem receber a notícia de que a maior mina de carvão do país será construída no local. Assim, teriam que recomeçar a vida em um novo lugar, o que gera aflição e incerteza nos moradores.

Anthony Orestes, 3 anos, filho de Suelen e Anderson l Foto: Camila Souza

“Eu tento não pensar nisso porque me dói muito”, afirma Suelen Orestes (35), moradora do Assentamento Apolônio de Carvalho. Ela reside com seu marido, Anderson Ferraz (36), e com seus filhos Cleiton, Anderson, Tais e Anthony. A família morava na cidade de Viamão e há sete anos se mudou para o Assentamento. “Quando chegamos não tinha nada, era tudo lavoura. Nós que plantamos tudo e agora estamos nos estabilizando. Eu pensei que ia morrer de velho aqui, mas agora não posso nem construir minha casa porque não sei se a mina vem ou não”, declara Anderson.

Os filhos também compartilham do mesmo sentimento de aflição. O pai, Anderson, conta que a filha Tais, quando tinha 4 anos, ouviu comentários sobre a vinda da mina e o questionou a situação: “Vão cavar tudo aqui e o que vamos fazer com nossa vaquinha e árvores? E nós, vamos cair no barranco?”. Anderson conta que, em uma das audiências públicas realizadas pela Copelmi, ele pediu que Cristiano Weber (gerente de Sustentabilidade) respondesse a pergunta de Tais. O gerente teria dito que, antes mesmo de tirar os moradores de lá, já teria um lugar para colocar a vaquinha e um pé de árvore plantado para ela.

Família Orestes reside no Assentamento há sete anos l Foto: Camila Souza

Contudo, a resposta de Weber não conforta a família. Ao ser questionada sobre a possibilidade de realocação, a mãe, Suelen, se emociona e diz “não queremos ir embora. A gente ama esse lugar”. O filho mais velho, Cleiton, de 17 anos, que ajuda em todas as tarefas da casa, complementa: “Amamos esse lugar, de cada pé de salada a cada árvore frutífera”.

Possíveis impactos ambientais

O bioma da região onde será instalada a mina faz parte da Mata Atlântica, área protegida por lei para recuperação ambiental, de acordo com as delimitações estabelecidas no mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa informação está disponível na página do Ministério do Meio Ambiente e foi um dos argumentos de defensores do meio ambiente frente à Copelmi.

Os defensores alegam que foi identificada omissão no EIA/RIMA da mineradora, que aponta a utilização do mapa do RS Diversidade fazendo referência apenas à divisão do bioma Pampa, sem mencionar que pertence à Mata Atlântica. O material é disponibilizado pela empresa para a população, porém, o arquivo tem em média sete mil páginas, além de estar escrito em linguagem técnica, o que dificulta a interpretação e total compreensão do documento.

De acordo com ambientalistas, se pelas ciências da natureza o carvão está em baixo da terra, é para que ele fique lá depositado. Caso a área não seja corretamente recuperada, ficará permanentemente contaminando o meio ambiente. Para o ativista ambiental John Wurdig, o maior risco que o projeto oferece é a poluição do solo e ar. “A contaminação pode acontecer devido ao metal pesado, pois o carvão do Rio Grande do Sul tem uma concentração de mercúrio setenta vezes maior que qualquer carvão do mundo”, explica Wurdig.

A mina ficará a menos de 2 km do Rio Jacuí l Foto: Camila Souza

Nesse contexto, pode-se afirmar que há possibilidade de desenvolvimento econômico do Estado devido aos impostos que serão arrecadados e geração de empregos. Mas, da mesma forma, também existem os riscos ambientais já comprovados pelos pesquisadores da área nas audiências públicas. Contudo, não se pode esquecer que os aspectos positivos e negativos do Projeto Mina Guaíba não se resumem somente a esses dois tópicos, visto que os moradores do local já vêm sendo atingidos desde quando a proposta começou a ser analisada para aprovação e execução. Sendo assim, as opiniões divergem e resultam em dois extremos. Nesse jogo de poder, o medo e a esperança formam os dois lados da moeda.

Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Político e Econômico (2019/2) do Curso de Jornalismo (Campus Fapa) do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte

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Jornalista formada pela UniRitter | Redatora no Correio do Povo

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