Entre desafios da maternidade e luta por representatividade

Sendo mãe solo em uma sociedade carregada de preconceito, Aline Barbosa compartilha suas experiências de vida na internet e ajuda outras mulheres

Camila Souza
6 min readDec 5, 2020
Aline Barbosa tem 31 anos e trabalha como criadora de conteúdo digital | Foto: Reprodução/Instagram

Ela é mãe solo da Laura, Vicente, Joaquim e Antônia. Tem 31 anos, é negra, professora e criadora de conteúdo digital. Quem acessa o perfil de Aline Barbosa (@maecrespa) no Instagram e vê um feed colorido, repleto de fotos alegres com muitos sorrisos e milhares de seguidores, não imagina os capítulos de aflição que também fazem parte da sua história. Desde a primeira gravidez, aos 18 anos, ela enfrenta julgamentos. Na quarta gestação, que não foi planejada, Aline sofreu com a depressão. Não saía de casa, não via ninguém, sentia culpa e solidão.

Nesse período, ela descobriu uma rede social em que podia se conectar com outras mulheres que passavam pelas mesmas angústias. “Eu vi que eu não era a única, que eu não estava sozinha. Vi que no Instagram eu podia me conectar com outras pessoas que viviam as mesmas situações e que eu não precisava ter medo ou vergonha de expor”, explica. Foi a partir desse momento que Aline começou a produzir conteúdos em seu perfil. Conforme compartilhava suas experiências, crescia o público. Hoje ela soma 16 mil seguidores.

No seu cantinho de home office, quadrinhos com frases inspiradoras como “mom power” e “seja forte e corajosa” decoram o ambiente onde ela cria os conteúdos para o Instagram. Nos posts, escreve textos de apoio às outras mães, compartilha suas experiências de vida, fotos com os filhos, looks do dia, além de divulgação de lojas parceiras. Nos stories, ela mostra seu dia a dia com as quatro crianças, que também aparecem nos reels (recurso que permite a criação de pequenos vídeos com áudios e efeitos) dançando com a mãe.

Apesar do resultado positivo e do engajamento do público, a influenciadora disse que enfrenta críticas. “Muitos ainda não enxergam essa profissão de criador de conteúdo digital como um trabalho, acham que é só uma brincadeira. Dizem que só fico no celular e que tudo eu quero gravar, mas esse é o meu trabalho”, relata. Ela relembra um momento marcante em que recebeu críticas quando expôs um caso de abuso psicológico e patrimonial que sofreu do ex-marido. Muitos de seus seguidores acharam desnecessário a exposição, porém, Aline recebeu relatos de mais de 500 mulheres que viviam situações semelhantes. “Hoje elas se inspiram em mim e admiram a coragem que eu tive de expor isso”, destaca.

Entre as mensagens que chegam do público, muitas são carregadas de preconceito. “Eu não me enquadro no padrão bonito da internet, porque não tenho uma família tradicional, sou uma mulher negra, periférica e que tem quatro filhos. Muitos acham que quem se expõe na internet tem uma vida perfeita, mas eu não tenho. Tenho uma vida real.” Aline já recebeu críticas relacionadas à sua aparência, aos seus cabelos e até mesmo ao aparelho de celular que usa. “Uma pessoa mandou mensagem falando que eu tinha que parar de fazer isso, porque eu não tinha um iPhone. Não tenho até hoje e não é isso que me impede de trabalhar”, afirma.

E a motivação de continuar o trabalho mesmo com as dificuldades é única: ela se sente uma referência para outras mulheres. “O que eu sou hoje para muitas mulheres é a referência que eu não tive. Eu não tive essa mulher perto de mim quando era mais nova. Me sinto muito feliz e é isso que me dá mais vontade de continuar”, disse. Animada e orgulhosa do que faz, a influenciadora afirma que seu trabalho vai muito além de expor sua vida na internet: “É realmente fazer a diferença na vida de alguém.”

Antes e depois da maternidade

Aline Barbosa cuida sozinha de Laura, Vicente, Joaquim e Antônia | Foto: Beta Imagens

“Muitos acham que eu acabei com a minha vida e que não vou chegar a lugar nenhum. Mas a verdade é que a minha vida começou quando eles chegaram e farei de tudo que estiver ao meu alcance para ver o sorriso no rosto de cada um deles”, disse em um de seus posts na internet. Enquanto acontecia a entrevista por telefone, Aline cuidava da caçula Antônia (2 anos), que fazia uma bagunça com a água da pia. O pequeno Joaquim (4 anos) também estava junto, brincando ao lado da mãe. Entre as risadas dos filhos se divertindo, relembra os sonhos que tinha na adolescência.

“Eu falava que com 18 anos queria ter uma vida financeira muito boa, que me formaria cedo na faculdade e também queria viajar muito.” Aline continua estudando, mas depois da maternidade, os sonhos e objetivos estão bem diferentes: “Eu não tenho o sonho de ter muitas coisas. Meu objetivo hoje é proporcionar para os meus filhos uma vida melhor e mais confortável, mas ao mesmo tempo não quero perder os momentos ao lado deles. Não quero ser aquela pessoa que trabalha 24 horas por dia e vê os filhos só no final de semana.”

O trabalho na internet proporciona a Aline mais tempo com as crianças, mas, ainda assim, sua rotina é agitada. Ela mora com os quatro filhos, em Porto Alegre, e cuida deles sozinha. “É bem complicado conseguir conciliar tudo. É um pouco impossível e meio desumano. Eu me cobrava muito antes, só que não consigo ser cem por cento em tudo. Hoje eu faço o que é prioridade e meus filhos estão sempre em primeiro lugar”, explica. Antes da pandemia, a influenciadora aproveitava para organizar suas tarefas enquanto os filhos estavam na escola, mas agora, com todos em casa, ela recorre à ajuda da mãe para cuidar das crianças quando precisa ir ao mercado, por exemplo.

Para muitas mães, o momento mais desafiador da maternidade pode ser o parto, a amamentação, o desfralde, entre outros. Já para Aline, a fase mais difícil está acontecendo agora. Isso porque, de acordo com ela, conforme os filhos crescem, ela precisa fazer com que eles sejam conscientes de questões ligadas à desigualdade racial: “Todos os dias, de uma forma leve, eu tenho que mostrar os direitos que eles têm, situações que podem acontecer, e também ajudar na construção da autoestima deles, mostrando que eles são bonitos do jeito que são. Que eles são capazes de fazer o que quiserem.”

Ela lembrou de uma pergunta que a filha Laura, de 12 anos, fez enquanto a família passeava na cidade de Gramado: “Por que não tem negros aqui? Eu só vi negros trabalhando na limpeza ou como babá”. Foi a primeira vez que Laura fez esse questionamento e Aline entendeu a importância de conversar sobre esse assunto com a filha. “Aquele dia que todas as mães pretas temem, tinha chegado. Minha filha percebeu a diferença que existe na sociedade”, declarou a influenciadora em uma publicação no Instagram.

As quatro crianças moram com Aline em Porto Alegre | Foto: Beta Imagens

Depois de tantas vivências na maternidade, Aline sabe dar conselhos para as mães que ainda se sentem inseguras. Para a influenciadora, a informação é fundamental. “A falta de informação faz com que alguns desafios pequenos se tornem maiores”, afirma. Ela também aconselha a evitar a comparação: “Se ficar comparando com a amiga, com o filho da amiga, sempre vai ficar na busca incessante de uma maternidade perfeita que não existe. Não existem mães perfeitas e a maternidade não é uma disputa.”

Aline Barbosa segue enfrentando os desafios de ser mãe solo e na luta pela representatividade, sendo inspiração para suas seguidoras e conquistando cada vez mais espaço na internet. Ela é a prova de que nenhum obstáculo é invencível quando se tem determinação e vontade de fazer a diferença. Em um de seus textos, ela reflete sobre sua história. “Tem dias que, na hora de deitar, eu fico me perguntando como consegui fazer tantas coisas sozinha e como consigo ser tão forte? A verdade é que eu não tive escolha, eu tive que ser forte!”

Reportagem produzida na disciplina de Redação Jornalística II (2020/2) do Curso de Jornalismo (Campus Fapa) do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte

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Camila Souza
Camila Souza

Written by Camila Souza

Jornalista formada pela UniRitter | Redatora no Correio do Povo

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